Todas as manhãs, uma velhinha entrava na alfândega, numa moto que trazia um saquinho de areia na garupa.

O fiscal a revistava e não encontrava nada que indicasse contrabando. A não ser o saquinho de areia.

Ele perguntava:

- Vó, o que que a senhora traz aí?

- Areia.

- Areia?

- Sim, meu fio, areia.

Ele abria o saquinho. Despejava a areia no chão. Remexia a areia. Nada, além de areia. Então, deixava a velhinha passar. E matutava: "Ela me engana. Não sei como, mas me engana. Afinal, não é possível que ela venha aqui todos os dias pra não trazer nada. A não ser esse saco idiota na garupa. Só de areia!"

No dia seguinte, lá vinha a velhinha de novo, toda sorridente e simpática, cumprimentando o fiscal, com aquele seu maldito saco de areia na garupa. Ele, como sempre, antes de revistar o saco, perguntava:

- O que a senhora traz aí, vovó?

- Areia.

- Areia de novo, vovó?

Areia, meu fio.

Ele revistava. Era areia mesmo. Nada, além da areia, nada! Nem muamba, nem jóia. Afinal, por que ela fazia isso?

Até que por fim, certa manhã, francamente ele perguntou:

- Vó, sei que a senhora não vem aqui pra nada. Só que eu não consigo descobrir o que a senhora traz. Mas, me diz, vó. A senhora contrabandeia o quê?

- Oi, cê não ispáia se eu ti contá?

- Não.

- Não ispáia mesmo?

- Não, vó. Juro. Dou minha palavra. Prometo. "Porque não aguento mais revistar a areia", pensou. Me diz de uma vez, e eu te deixo livre.

- É a moto!

Fonte: Inspiração numa crônica de Fernando Sabino.